Asas da inteligência

A Inteligência brasileira não quer ser Ícaro. Ela deve ser o próprio Dédalo para guiar e cuidar com ética e profissionalismo a nação brasileira.

H. R. de O.*

Fernando assim como eu, tem raízes nos Correios. O meu caso é genético, meu pai, hoje zelador, foi responsável há muito tempo pelo tráfego das comunicações em morse nas Gerais. Cresci ao som de traços e pontos. Traços que moldaram meu caráter e pontos, sempre de partida, para um novo recomeço. Fernando, por sua vez, representa os Correios da modernidade: sedex-10, entregas intercontinentais e ações sociais. Ele é celeste, não só pelo time que abraçou, mas também pela sua lhaneza no trato. Eu, bem, prefiro como disse Carlos Drumond: lutar contra o vento e com ele ver o mundo com meus pés de gigante. Mas Fernando, de boa prosa, certa feita perguntou: A ave símbolo da Abin é a Araponga. Araponga, não! É o Carcará. A ornitologia brasileira é rica. Coisas da nossa biodiversidade que é invejada pelas nações estrangeiras e principalmente pelas grandes corporações farmacêuticas internacionais que de forma pouco conspícua vasculham nossa fauna e flora a procura do ?elixir da juventude?. A Amazônia que o diga.

O termo Araponga foi cunhado pelo mordaz soteropolitano, Dias Gomes, nos idos de 1990, onde o ?global? Tarcísio Meira, representava o agente bem ?trapalhão? Aristênio Catanduva, que se utilizava de um codinome ?Araponga? - parodiando o eterno 007 James Bond - que tentava por todos os meios convencer seus superiores a reativar o Serviço Nacional de Informações (SNI), pois foi naquela época que o ex-presidente Fernando Affonso Collor de Mello assumiu a Presidência da República e como primeiro ato extinguiu o SNI. Lamentavelmente a marca indelével do saudoso dramaturgo estigmatizou uma nobre atividade de proteção de todo estado nacional moderno, como bem disse Dan Raviv: ?Todo espião um príncipe?. Assim como a fauna e flora brasileiras são ricas em variedades, o vernáculo também o é. Do substantivo Araponga (ave pertencente à subfamília Cotingidae, gênero Procnias) derivou-se o adjetivo funesto ?arapongagem? para designar qualquer atividade supostamente de Inteligência - aquela onde se busca conhecimentos para assessorar o decisor.

É de bom alvitre o registro sobre o jornalismo investigativo que vem contribuindo de forma avassaladora para esclarecimentos da opinião pública. Se bem feito, de forma inteligente, o país agradece, pois descortina para a nação fatos que não querem que sejam divulgados. Ou seja, o jornalista, quando investigador, também procura pelo dado negado, mas, segundo ele, não faz ?arapongagem?. É a velha discussão: Defensivo Agrícola ou Agrotóxico? Depende dos olhos de quem vê. Para o agricultor, o cravo, para o ambientalista, a ferradura. Mas o SNI já é passado, virou história. Hoje existe uma instituição nova - a Abin, sendo construída por jovens concursados, em sua maioria mestres e até doutores e que não merecem, por uma questão de justiça, receber a herança do ?Aristênio Catanduva?. Mas eles, certamente, não se importam, até mesmo porque a Araponga é conhecida pelo seu grito alto e estridente que lembra com perfeição o trabalho de um ferreiro. Os homens e as mulheres de Inteligência trabalham sempre em silêncio.

Por isso, caro Fernando, o Carcará, ave assim como a Araponga, tipicamente brasileira, da família dos falcões, diga-se de passagem, uma excelente voadora. Mas tudo isso são símbolos que deles fazemos mito. Os Correios tiveram em Mercúrio o deus mensageiro, com asas nos pés. Nosso Exército vitorioso de Caxias, a prática da columbofilia. Noé fez Inteligência, ao utilizar-se de uma pomba para saber se as águas do dilúvio estavam baixando. Odin - aquele sem um olho - fazia Inteligência com seus dois corvos: Hugin que representava o pensamento; e Munin, a memória. Harry Potter em Hogwarts, se utiliza de uma coruja-das-neves ?Edwiges? para se comunicar, em segredo. Serviços de Inteligência estrangeiros tem como símbolos aves. A águia-de-cabeça-branca, está presente na Agência Central de Inteligência (CIA), como símbolo de magestade e dominação. Na Alemanha, o Serviço Federal de Informações (BDN), adota a águia negra pois representa para os germanos a metáfora da invencibilidade. Na Hungria o Instituto Federal de Segurança (NSO), uma águia segurando um sabre (autoridade, justiça e intelecto).

Aqui nosso sabre é alado. São as asas que elevam a nossa imaginação; são estas as asas de um povo soberano. A Inteligência brasileira não quer ser Ícaro. Ela deve ser o próprio Dédalo para guiar e cuidar com ética e profissionalismo a nação brasileira. Mas, Fernando, esta conversa toda começou deve ser de inveja. No meio de tantos traços e fatos, eis um ponto final: O Galo voa!

*H. R. de O. é Professor Universitário e Mestre em Administração.