Satiagraha e o centro

H. R. de O. - Professor universitário - Mestre em Administração.

Nicolau Copérnico, astrônomo polonês, ousou imaginar um universo contradizendo a Santa Igreja, à época, bastião de todo o conhecimento do mundo ocidental. Vivia-se a plenitude da Idade Média, onde segundo ele, Copérnico, o Sol estava no centro do Universo e os planetas giravam ao seu redor. A ideia, herética, tirava do planeta Terra o pensamento da perfeição divina, pois ele ia de encontro ao geocentrismo (a terra como centro do universo). Ousar duvidar da Sacrossanta Igreja Católica era o caminho mais rápido de se chegar ao Santo Ofício, cuja missão principal seria eliminar o mal e santificar a terra pela pratica beatificada da tortura. Mais tarde Galileo Galilei comprovou que o Sol era o centro do universo - heliocentrismo - mas teve em 1633, de negar formalmente suas descobertas sob pena de excomunhão e morte pela Santa Inquisição. Num salto gigante pela história vimos a Operação Satiagraha (em sânscrito, Satya significa ?verdade? e agraha ?firmeza?), conduzida pelo Departamento de Polícia Federal, que colocou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no centro de um turbilhão político nacional onde diversos atores do alto escalão do governo atuaram de diferentes formas, resultando na saída de mais um delegado de polícia do comando daquela Agência, destituição injusta de diretores e exposição irresponsável de oficiais e agentes operacionais de inteligência. Junta-se a tudo isso a propaganda da mídia dando notícia do enfraquecimento da Abin - que é o centro do Sistema Brasileiro de Inteligência - até então, segunda ela, a mídia, o centro das irregularidades pois assim foi dito pelo guardião da Constituição e pelo Ministro da Defesa Nelson Jobim. Curioso e ao mesmo tempo notável, é que exatamente no centro do furacão é que a tempestade é mais calma. Mas a história é sempre recorrente. Se assim foi com Galileu, com a Abin não seria diferente, e a participação da inteligência se tornou uma verdade inconveniente. A sociedade assistiu no horizonte a tempestade que chegou e que somente agora começa a dissipar, mas deixando janelas quebradas. Certamente que muitos ensinamentos deverão ficar do lamentável episódio, caso contrário, não valeu a pena tanto desgaste. Mas, como todo filme de faroeste - o nosso caboclo - eis que chegou a Cavalaria, representada pelo Ministério Público Federal, por intermédio da Procuradoria-Geral da República, que arquivou o inquérito que investigava a existência de crime na participação de agentes operacionais da Abin na Operação Satiagraha. A verdade continuará na firmeza de seu propósito pela busca da justiça (Satiagraha!). O Ministério Público legitimou o Sisbin e por corolário a presença dos oficiais e agentes de inteligência da Abin, que é o centro do Sisbin: ?Se todos, consequentemente, são responsáveis pela segurança pública, inclusive os cidadãos - que, por isso mesmo, podem prender alguém em flagrante delito -, muito mais poderão fazê-lo outros órgãos e instituições, em cooperação com a própria polícia?, disse o subprocurador-geral da república Wagner Gonçalves. Malgrado tudo isso, conclui-se que houve mais baixas para os ?mocinhos? do que nas hordas dos malfeitores. Mas como vimos, a história precisa e deve ser sempre revisitada. Surge outra questão envolvendo a Abin. O centro também das atenções e de outras intenções. Divulga-se que após todo este imbróglio que aquela Agência perdeu poder. Qual poder a Abin persegue? O órgão de inteligência brasileiro é uma instituição de assessoramento direto ao chefe de Governo. A Abin não é órgão de execução dos planos do poder central. De seus quadros não emergem políticos para compor o legislativo, nem tão pouco participa da partilha dos recursos financeiros do orçamento federal, visando beneficiar redutos eleitorais, pois não os tem. Sua função é identificar ameaças e oportunidades para o Estado brasileiro nas diversas áreas do conhecimento, bem como salvaguardar o conhecimento sensível que interessa a este mesmo Estado proteger e neutralizar ações adversas de inteligência estrangeira em território nacional. Entretanto, é contumaz encontrar matérias jornalísticas dando noticia sobre a reunião do Conselho de Defesa Nacional (CDN), convocada pelo Presidente Lula onde lhe foi apresentado a proposta da Política Nacional de Inteligência (PNI), fruto do trabalho do Comitê Ministerial instituído pela Presidência da República e coordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ressalte-se que será o PNI quem orientará as ações do Sisbin, que elegeu como ameaças à sociedade e ao Estado, a espionagem, a sabotagem, os ataques cibernéticos, o terrorismo e a criminalidade organizada, definindo os limites de atuação de setores de Inteligência, seja de Estado, Defesa Nacional, Segurança Pública ou Econômico-financeira. De bom alvitre o registro final de que na reunião do CDN, não foram discutidas alterações à Lei nº 9.883/99, que instituiu o Sisbin e colocou a Abin como órgão central do sistema.