Um espião no governo

Hércules Rodrigues de Oliveira - Prof. Gestão de Segurança Privada Novos Horizontes e Segurança Pública do UNIBH

Para muitos de nós, o mundo da espionagem consistia apenas no universo imaginário de John le Carré, Graham Greene, Iam Fleming, entre outros. Mas foi a notícia recente veiculada na mídia sobre espionagem no próprio Serviço Secreto brasileiro que trouxe para a nossa realidade, aquilo que estávamos tão-somente acostumados a assistir nas obras fílmicas do 007, ou a ler na rica literatura de ficção, a exemplo do livro ?O espião que sabia demais?.

A ação de espionagem, feita por elemento da instituição, foi identificada pela própria Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), por intermédio de seu segmento da Contrainteligência (CI), que de acordo com o Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002, ?objetiva: prevenir; detectar; obstruir e neutralizar a Inteligência adversa e ações de qualquer natureza que constituam ameaça a salvaguarda de dados, informações e conhecimentos e interesse da segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos meios que os retenham ou em que transitem?, ou seja, a CI cumpriu a sua missão.


Se o próprio órgão de Inteligência Federal foi vítima de espionagem, imagine os outros segmentos do próprio governo que não dispõem de cultura de proteção. Do acontecido duas certezas: a de que os protocolos de segurança funcionaram e a de que o fator humano é o elo mais fraco na segurança da informação. Nietsche já havia previsto, quando disse que somos: ?humano, demasiado humano?!


Pelo que se soube o ?espião?, cuja identidade está mantida em sigilo, conseguiu invadir a senha de mais de cem operadores de Inteligência, tendo tido acesso a dados de investigações estratégicas, que por razões óbvias, serão apenas do conhecimento de quem há necessidade de conhecer. Vale o registro de que a infração cometida está prevista no Artigo 325 do Código Penal, com pena de seis meses a dois anos de detenção ou multa, além do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para sua exclusão das fileiras da Inteligência de Estado.


Do episódio, a importância da análise acadêmica para discorrer sobre o tema para com as gerações futuras, bem como para se perguntar: Qual a motivação que leva um indivíduo a pratica da espionagem? Monteiro Lobato, na sua obra, hoje polemizada, Caçadas de Pedrinho, bem demonstra todo um trabalho de emprego de espiões para desvendar o que se passava na floresta. Ele fala sobre o emprego dos espiões da Emília.


Doutrinariamente sabe-se que a primeira motivação, mas não necessariamente nesta ordem, é o dinheiro. Aldrich Ames, ex-chefe da Contrainteligência da CIA, cumpre prisão perpétua nos Estados Unidos. Ele recebeu dois milhões e meio de dólares espionando para os soviéticos.


O segundo é o idealismo, por meio das quais as pessoas são conduzidas por fortes convicções ideológicas. Ana Belén Montes, funcionária do Pentágono, espionou para Cuba, pois se opôs à política estadunidense contra aquele país. A terceira, a chantagem, que ocorre quando há favores ou vantagens a alguém sob a ameaça de revelações escandalosas. Exemplo clássico, á época, foi a do Coronel Alfred Redl, chefe do serviço secreto austro-húngaro, que ameaçado pela delação de sua homossexualidade, atendeu aos interesses russos, detalhando os planos de ataque a Servia.


Por fim, a aventura. O alemão, Hans Staden, partiu de Bremen, para Portugal, cujo destino final era a capitania de Pernambuco para recolher pau-brasil, ficando um bom tempo em terras de Santa Cruz. De volta à Europa, escreveu uma obra contendo informações valiosas sobre as riquezas de nossa terra que até hoje interessam ao velho mundo.


A Política Nacional de Inteligência (PNI) enumerou as ameaças à integridade da sociedade e do Estado e à segurança nacional, entre as quais se destaca a espionagem que, pode afetar o desenvolvimento socioeconômico e comprometer a soberania nacional. Assim sendo e parafraseando John le Carré, esperamos que o protagonista deste lamentável episódio seja mais conhecido por ?O espião que sabia de menos?.